RESUMO
MicroRNAs são moléculas formadas por poucas bases e apresentam como principal função
a regulação da expressão gênica. O estudo sobre tais moléculas vêm crescendo
nos últimos anos, assim como a importância dada aos mecanismos que elas
utilizam para desempenhar suas funções nos sistemas biológicos. Assim, o
presente texto tem como objetivo trazer noções sobre essa classe de
RNAs, apresentando seu mecanismo de geração e o processo utilizado por essas
moléculas para a regulação da expressão de genes. Além disso, é relatado o seu
envolvimento em enfermidades humanas como câncer e doenças cardiovasculares,
resposta ao estresse em plantas e relação com certos vírus. Também
apresentamos possíveis aplicações em desenvolvimento, como, a sua utilização
como biomarcadores.
Palavras-chave:
Micro RNA, regulação da expressão de genes e biomarcadores.
INTRODUÇÃO
A
regulação de expressão de genes é um processo fundamental para a manutenção da
homeostase celular, assim como, em todo o organismo. Por muito tempo
acreditou-se que esse processo dava-se principalmente via proteínas. No
entanto, atualmente é conhecida a participação de moléculas de RNA no mesmo. Tais RNAs fazem parte de um grande grupo denominado de RNAs não
codificantes (ncRNAs). Varias classes de RNAs fazem parte desse grupo, muitos
ainda com função não definida, dentre elas destacam-se os RNAs de interferência
(siRNA) e os microRNAs (miRNA).
Os
miRNAs desempenham importantes funções nos organismos com relação a regulação da
expressão de genes e degradação de mRNA. São formados por poucas bases e para o
desempenho de sua função requerem associação com proteínas. Dependendo das
condições fisiológicas, tais moléculas podem aumentar ou represar a tradução.
Sua ação geralmente se da por meio de ligação a sítios específicos presentes na
região 3’ UTR dos mRNAs. Apresentam importante papel no desenvolvimento em
sistemas biológicos.
São
muitos os trabalhos que demonstram o envolvimento dessas moléculas na resposta
ao estresse em plantas, sugerindo que desempenham importante papel na
manutenção da homeostase em vegetais. Também é conhecido que certos vírus
utilizam miRNAs para controlar a expressão de genes do hospedeiro. Além disso,
há relatos de miRNAs relacionados a doenças humanas, como, câncer e doenças
cardiovasculares. Devido a isso, é sugerida a utilização dessas moléculas como
biomarcadoras dessas doenças.
No
desenvolvimento desse texto será apresentado noções sobre os miRNAs, o grupo em
que essa classe é enquadrado, suas funções principais, vias de geração e
proteínas que estão relacionadas a esse processo. Além disso, o envolvimento com
doenças humanas, mecanismos de proteção em plantas, dentre outras funções.
RNAs
não codificantes
RNAs não codificantes (ncRNA) são definidas como moléculas que não
codificam proteínas, entretanto, desempenham importantes funções nos sistemas
biológicos. Por muito tempo acreditou-se que toda informação contida em
moléculas de RNA se restringiam ao processo de tradução em proteínas (Figura
1.).
Figura 1. Dogma central da biologia molecular (Fonte: http://www.notapositiva.com/trab professores/ textos apoio/ biologia/ rnacomplexidadedavida.htm). |
Atualmente
é sugerido que a maior parte dos genomas de eucariotos e outros organismos
complexos transcrevem ncRNAs. Geralmente são derivados de regiões intrônicas, splicing alternativo ou processamento em
produtos menores (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
Muitos
ncRNAs já possuem função conhecida em processos de regulação da transcrição e
tradução, como os microRNAs (miRNA) e os RNAs de interferência (siRNA). Os
pequenos RNAs nuclear (snRNA) e RNAs nucleolar (snoRNAs) estão envolvidos no splicing e modificações dos rRNAs,
respectivamente. Outras classes de ncRNAs estão relacionadas ao controle de vários
sinais internos na célula, como expressão de genes, desenvolvimento
fisiológico, arquitetura da cromatina (memoria epigenética) e desligamento. Embora
se saiba sobre a participação de tais moléculas em muitos processos celulares,
ainda é obscuro o papel desempenhado por muitas classes pertencentes ao grupo
de ncRNAs (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
A
transcrição de ncRNAs é especifica ao tipo de célula, localização subcelular e
desenvolvimento da regulação. Também possuem relação com doenças humanas, como,
a síndrome de Prader-Willi, Angelman, câncer e doenças neurológicas. Já são
citadas na literatura, doenças relacionadas a mutações em moléculas de ncRNAs (BARTEL,
2004).
Na
regulação da expressão de genes, ncRNAs podem transmitir ou receber sinais,
assim, funcionando como elementos cis
ou trans-atuantes. Regulação do tipo trans-atuante envolvendo ncRNAs já foi
observada em espécies do domínio Bacteria e Archaea. Entretanto, não é um
artificio de regulação dominante nesses tipos organismos. Tal característica
deve-se ao fato de cerca de 80% a 95% do genoma desses seres estarem
relacionadas à codificação de proteínas (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
Em
eucariotos, seres que apresentam proteôma relativamente estável (dependendo das
condições em que o organismo se encontra) apresentam uma pequena parte do
genôma com regiões repoisáveis na codificação de proteínas. Em humanos
acredita-se que sejam cerca de 2%. Tal característica vai de encontro com duas
das principais diferenças a nível molecular entre microrganismos e seres
multicelulares. São elas, o número de mRNAs codificantes de proteínas e o de
ncRNAs (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
Eucariotos possuem um sistema de sinalização
mais complexo e processamento de moléculas de RNA mais desenvolvido. Observa-se uma maior sofisticação de vias
envolvidas na regulação da expressão de genes, desde a transcrição e
silenciamento gênico pós-transcricional. Isso se dá por meio de mecanismos como: a
metilação do DNA, modificações na cromatina e interações com ncRNAs (tanto
elementos cis e trans-atuantes) (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
Noções sobre miRNA
São ribonucleotídeos
de poucas bases, geralmente de 20 a 22 (Figura 2). Tem por função principal a
regulação da função de mRNA em eucariotos. Estão envolvidos em importantes
rotas no desenvolvimento, câncer, respostas ao estresse e infecções virais. Sabe-se
a participação dessas moléculas na regulação da tradução e degradação de mRNAs
(BUCHAN e PARKER, 2007). Estima-se que cerca de 1/3 da expressão de genes em
mamíferos são reguladas via miRNAs (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
Figura 2. Estrutura de pri-miRNAs (transcrito primário de miRNA) encontrados em C. elegans. A parte em vermelho indica miRNA maduro(BARTEL, 2004). |
Tais moléculas são derivados
de íntrons e éxons transcritos pela RNA-polimerase II. Já se conhece à
biogênese dessas moléculas em plantas e mamíferos. A figura 3 demonstra o
modelo de geração de miRNA em mamíferos, desde a transcrito primário
(pri-miRNAs) até miRNA maduro em associação com complexo-RNA de indução de silenciamento
(RISC). Em associação com esse complexo estão as proteínas pertencentes a
família das Argonautas. A presença de Argonautas já foi descritas para vermes,
insetos, fungos, plantas e mamíferos (BARTEL,
2004).
Em mamíferos são encontrados quatro tipos Argonautas (Ago1 a Ago4). Para
que os miRNAs desempenhem sua função, é necessário que ocorre a formação do
complexo miRNA-Ago. O mesmo é capaz de interagir de forma especifica com mRNA.
Geralmente tal interação ocorre por meio do pareamento com sequencia
complementar presente na região não traduzida 3’ (3’ untranslated region ou 3’
UTR). Tal região apresenta importantes sítios de interação com o complexo miRNA-Ago
que permitem afetar a localização da molécula de mRNA, sua tradução e
degradação. Ainda não é clara como esse complexo é capaz de promover a
degradação de mRNA, repressão ou aumento da tradução. Contudo, sabe-se que há o
recrutamento de fatores proteicos adicionais para que o processo seja ativado (BUCHAN
e PARKER, 2007).
Na figura 4 observa-se duas
vias em que os miRNAs desempenham função, podendo aumentar ou represar a
tradução de mRNAs. Tal fato depende do estado da célula, a saber, proliferação
ou parada do ciclo celular. Além
disso, do recrutamento pelo complexo miRNA-Ago de proteínas reguladoras. Atualmente
se conhece duas dessas proteínas GW182 e FXR1 que levam a repressão ou aumento
da taxa de tradução, respectivamente (BUCHAN e PARKER, 2007).
Funções
e Aplicações dos miRNAs
miRNA
x Plantas
Recentemente,
miRNAs foram relatados na regulação de uma classe de genes ligada a resposta ao estresse
em plantas. Os autores acreditam que
tais moléculas participam de mecanismo de defesa nesses vegetais. No estudo, o
cultivar de tomate foi submetido ao fungo patogênico Botrytis cinérea, que causa o apodrecimento do vegetal. Como
resultado, três moléculas miRNAs foram identificadas por análise em
microarranjo e relacionados a resposta ao patógeno. Tais achados estendem a
visão atual sobre miRNAs como reguladores onipresentes sob condições de
estresse (JIN et al., 2012).
miRNA
x Doenças humanas: Câncer e doenças cardiovasculares
Além
de plantas, é conhecido o envolvimento de miRNAs em enfermidades relacionadas e seres humanos, como o câncer e
doenças cardiovasculares.
Sabe-se que miRNAs desempenham importantes papéis ao longo
do desenvolvimento celular. Evidências
têm demonstrado funções cruciais dessa moleculas na iniciação, progressão
e metástase do câncer. Trabalhos
na literatura têm demostrado que miRNAs
secretoras são importantes como supressores de tumor na fase inicial do câncer.
Publicações recentes têm confirmado que
tais moleculas podem entrar no sistema
circulatório, incluindo sangue e
outros fluidos corporais. Acredita-se que os miRNAs circulantes sejam provenientes de células lisadas. É sugerida a
utilização desses miRNAs secretados como biomarcares de estagios do
desenvolviemto câncerigeno (ZHANG et al.,
2012).
miRNAs secretados em fluidos corporais podem representar as características malignas do câncer. Em muitos tipos de câncar já foram identificadas miRNAs que podem
fucionar como
biomarcadores do desenvolvimento da doença, a saber, leucemia, câncer de pulmão, câncer
colorretal e gástrico, câncer de próstata, câncer de mama, carcinoma
hepatocelular, câncer de pâncreas e câncer de ovário (ZHANG et al.,
2012).
Tais moluculas apresentam catacteristicas que as tornam fortes
candidatos para marcação de enfermidades. Apresentam elevada estabilidade em
fluidos corporais e seu potencial para o diagnóstico não invasivo. são capazes de permanecer estáveis, mesmo sob
condições que podem degradar a maioria dos RNAs, tais como níveis de pH
extremo, longo período de armazenamento em temperatura ambiente e repetidos
ciclos de congelamento e descongelamento. A resistência a tais condições podem
ser principalmente devido às suas incorporações em microvesículas, exossomos ou
outros complexos para prevenir degradação. Além disso, seus padrões de expressão de podem refletir em diferentes perfis de início, invasão, metástase e resposta terapêutica ao câncer (ZHANG et al., 2012).
No entanto, estudos apoiam
a ideia de que as células ativas (não
cancerigenas) podem secretar miRNAs para o sistema circulatório por meio de
exossomos, (ZHANG et
al., 2012). Embora miRNAs secretados apresentem promissor
potencial como marcadores de câncer, muitas questões não resolvidas continuam a
ser investigadas, especialmente quando relacionado com os mecanismos de
secreção de miRNAs, como mostrado na figura 5.
miRNAs
também estão relacionados a doenças cardiovasculares. Por exemplo, o aumento da
expressão de determinados miRNAs (como: miR-1, miR-133 e miR-208) no coração estão
associados ao desenvolvimento da hipertrofia cardíaca. Além disso, outras estão
sendo avaliados como potenciais biomarcadores no diagnóstico e prognóstico da
insuficiência cardíaca, como, o miR-423-5p (CARVALHO, et al., 2012).
miRNA
x Vírus
Os
vírus utilizam uma série de estratégias para manipular as células de seus
hospedeiros com a finalidade de assegurar o êxito na infecção. Dentre estas
estratégias está o mecanismo que utiliza miRNAs para controlar a expressão dos
genes virais, e também para ajudar o vírus a permanecer “escondido” da resposta imune do hospedeiro (BOSS
e RENNE, 2011).
Estudos realizados em células transfectadas com o vírus da herpes B (BV), foi
possível identificar 12 novos miRNAs codificados pelo BV expressos em células
infectadas (AMEN e GRIFFITHS, 2011).
Trabalhos na literatura
demonstraram que o processamento e função dos miRNAs de células eucarióticas
podem ser bloqueadas devido a infecção por Adenovírus. Curiosamente, a
maquinaria celular silenciada é ativada em momentos iniciais pós-infecção, e
pode ser usado para controlar o ciclo celular. Isto é relevante para fins
terapêuticos contra infecções por adenovírus ou quando adenovírus recombinantes
são utilizados como vetores para terapia gênica (CARNEIRO; SUTHERLAND e FORTES,
2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
presente texto apresentou o conceito, as funções e possíveis aplicações dos
miRNAs. O mesmo ressalta a importância dessas moléculas dentro dos sistemas
biológicos. O mecanismo pelo qual são produzidas e como desempenham suas
funções, além, de relações com doenças e possíveis aplicações como
biomarcadores em câncer e doenças cardiovasculares. Vale salientar que esses
achados quebram o dogma central da biologia molecular, onde mais uma vez é
demonstrado às varias funções que os RNAs desempenham nos organismos vivos, em
contraste com a função clássica vinculada a essas moléculas.
Referências bibliográficas
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CARNEIRO, E.; SUTHERLAND, J. D. e FORTES, P. Adenovirus and miRNAs,
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