sexta-feira, 15 de novembro de 2013

microRNAs: conceito, funções e aplicações.


              RESUMO

MicroRNAs são moléculas formadas por poucas bases e apresentam como principal função a regulação da expressão gênica. O estudo sobre tais moléculas vêm crescendo nos últimos anos, assim como a importância dada aos mecanismos que elas utilizam para desempenhar suas funções nos sistemas biológicos. Assim, o presente texto tem como objetivo trazer noções sobre essa classe de RNAs, apresentando seu mecanismo de geração e o processo utilizado por essas moléculas para a regulação da expressão de genes. Além disso, é relatado o seu envolvimento em enfermidades humanas como câncer e doenças cardiovasculares, resposta ao estresse em plantas e relação com certos vírus. Também apresentamos possíveis aplicações em desenvolvimento, como, a sua utilização como biomarcadores.


Palavras-chave: Micro RNA, regulação da expressão de genes e biomarcadores.

              INTRODUÇÃO

A regulação de expressão de genes é um processo fundamental para a manutenção da homeostase celular, assim como, em todo o organismo. Por muito tempo acreditou-se que esse processo dava-se principalmente via proteínas. No entanto, atualmente é conhecida a participação de moléculas de RNA no mesmo. Tais RNAs fazem parte de um grande grupo denominado de RNAs não codificantes (ncRNAs). Varias classes de RNAs fazem parte desse grupo, muitos ainda com função não definida, dentre elas destacam-se os RNAs de interferência (siRNA) e os microRNAs (miRNA).
Os miRNAs desempenham importantes funções nos organismos com relação a regulação da expressão de genes e degradação de mRNA. São formados por poucas bases e para o desempenho de sua função requerem associação com proteínas. Dependendo das condições fisiológicas, tais moléculas podem aumentar ou represar a tradução. Sua ação geralmente se da por meio de ligação a sítios específicos presentes na região 3’ UTR dos mRNAs. Apresentam importante papel no desenvolvimento em sistemas biológicos.
São muitos os trabalhos que demonstram o envolvimento dessas moléculas na resposta ao estresse em plantas, sugerindo que desempenham importante papel na manutenção da homeostase em vegetais. Também é conhecido que certos vírus utilizam miRNAs para controlar a expressão de genes do hospedeiro. Além disso, há relatos de miRNAs relacionados a doenças humanas, como, câncer e doenças cardiovasculares. Devido a isso, é sugerida a utilização dessas moléculas como biomarcadoras dessas doenças.
No desenvolvimento desse texto será apresentado noções sobre os miRNAs, o grupo em que essa classe é enquadrado, suas funções principais, vias de geração e proteínas que estão relacionadas a esse processo. Além disso, o envolvimento com doenças humanas, mecanismos de proteção em plantas, dentre outras funções.

              RNAs não codificantes


RNAs não codificantes (ncRNA) são definidas como moléculas que não codificam proteínas, entretanto, desempenham importantes funções nos sistemas biológicos. Por muito tempo acreditou-se que toda informação contida em moléculas de RNA se restringiam ao processo de tradução em proteínas (Figura 1.).

Figura 1. Dogma central da biologia molecular (Fonte: http://www.notapositiva.com/trab professores/ textos apoio/ biologia/ rnacomplexidadedavida.htm). 

Atualmente é sugerido que a maior parte dos genomas de eucariotos e outros organismos complexos transcrevem ncRNAs. Geralmente são derivados de regiões intrônicas, splicing alternativo ou processamento em produtos menores (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
Muitos ncRNAs já possuem função conhecida em processos de regulação da transcrição e tradução, como os microRNAs (miRNA) e os RNAs de interferência (siRNA). Os pequenos RNAs nuclear (snRNA) e RNAs nucleolar (snoRNAs) estão envolvidos no splicing e modificações dos rRNAs, respectivamente. Outras classes de ncRNAs estão relacionadas ao controle de vários sinais internos na célula, como expressão de genes, desenvolvimento fisiológico, arquitetura da cromatina (memoria epigenética) e desligamento. Embora se saiba sobre a participação de tais moléculas em muitos processos celulares, ainda é obscuro o papel desempenhado por muitas classes pertencentes ao grupo de ncRNAs (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
A transcrição de ncRNAs é especifica ao tipo de célula, localização subcelular e desenvolvimento da regulação. Também possuem relação com doenças humanas, como, a síndrome de Prader-Willi, Angelman, câncer e doenças neurológicas. Já são citadas na literatura, doenças relacionadas a mutações em moléculas de ncRNAs (BARTEL, 2004).
Na regulação da expressão de genes, ncRNAs podem transmitir ou receber sinais, assim, funcionando como elementos cis ou trans-atuantes. Regulação do tipo trans-atuante envolvendo ncRNAs já foi observada em espécies do domínio Bacteria e Archaea. Entretanto, não é um artificio de regulação dominante nesses tipos organismos. Tal característica deve-se ao fato de cerca de 80% a 95% do genoma desses seres estarem relacionadas à codificação de proteínas (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
Em eucariotos, seres que apresentam proteôma relativamente estável (dependendo das condições em que o organismo se encontra) apresentam uma pequena parte do genôma com regiões repoisáveis na codificação de proteínas. Em humanos acredita-se que sejam cerca de 2%. Tal característica vai de encontro com duas das principais diferenças a nível molecular entre microrganismos e seres multicelulares. São elas, o número de mRNAs codificantes de proteínas e o de ncRNAs (MATTICK e MAKUNIN, 2006).
 Eucariotos possuem um sistema de sinalização mais complexo e processamento de moléculas de RNA mais desenvolvido.  Observa-se uma maior sofisticação de vias envolvidas na regulação da expressão de genes, desde a transcrição e silenciamento gênico pós-transcricional.  Isso se dá por meio de mecanismos como: a metilação do DNA, modificações na cromatina e interações com ncRNAs (tanto elementos cis e trans-atuantes) (MATTICK e MAKUNIN, 2006).

Noções sobre miRNA

São ribonucleotídeos de poucas bases, geralmente de 20 a 22 (Figura 2). Tem por função principal a regulação da função de mRNA em eucariotos. Estão envolvidos em importantes rotas no desenvolvimento, câncer, respostas ao estresse e infecções virais. Sabe-se a participação dessas moléculas na regulação da tradução e degradação de mRNAs (BUCHAN e PARKER, 2007). Estima-se que cerca de 1/3 da expressão de genes em mamíferos são reguladas via miRNAs (MATTICK e MAKUNIN, 2006).

Figura 2. Estrutura de pri-miRNAs (transcrito primário de  miRNA) encontrados em C. elegans. A parte em vermelho indica miRNA maduro(BARTEL, 2004). 
Tais moléculas são derivados de íntrons e éxons transcritos pela RNA-polimerase II. Já se conhece à biogênese dessas moléculas em plantas e mamíferos. A figura 3 demonstra o modelo de geração de miRNA em mamíferos, desde a transcrito primário (pri-miRNAs) até miRNA maduro em associação com complexo-RNA de indução de silenciamento (RISC). Em associação com esse complexo estão as proteínas pertencentes a família das Argonautas. A presença de Argonautas já foi descritas para vermes, insetos, fungos, plantas e mamíferos (BARTEL, 2004).
Em mamíferos são encontrados quatro tipos Argonautas (Ago1 a Ago4). Para que os miRNAs desempenhem sua função, é necessário que ocorre a formação do complexo miRNA-Ago. O mesmo é capaz de interagir de forma especifica com mRNA. Geralmente tal interação ocorre por meio do pareamento com sequencia complementar presente na região não traduzida 3’ (3’ untranslated region ou 3’ UTR). Tal região apresenta importantes sítios de interação com o complexo miRNA-Ago que permitem afetar a localização da molécula de mRNA, sua tradução e degradação. Ainda não é clara como esse complexo é capaz de promover a degradação de mRNA, repressão ou aumento da tradução. Contudo, sabe-se que há o recrutamento de fatores proteicos adicionais para que o processo seja ativado (BUCHAN e PARKER, 2007).

Figura 3. Via de geração de miRNAs. Acredita-se que seja transcrito pela RNA-polimerase II, todo processo envolve varias enzimas, como, Drosha e Dicer pertencentes ao gurpo de  RNase III (endonucleases) e Helicase, além do transportador Ran-GTP (BARTEL, 2004).
Na figura 4 observa-se duas vias em que os miRNAs desempenham função, podendo aumentar ou represar a tradução de mRNAs. Tal fato depende do estado da célula, a saber, proliferação ou parada do ciclo celular. Além disso, do recrutamento pelo complexo miRNA-Ago de proteínas reguladoras. Atualmente se conhece duas dessas proteínas GW182 e FXR1 que levam a repressão ou aumento da taxa de tradução, respectivamente (BUCHAN e PARKER, 2007).
Figura 4. A função dupla dos microRNAs (miRNAs). Podem aumentar ou bloquear a tradução de mRNAs específicos. As condições fisiológicas afetam o recrutamento de proteínas reguladoras, assim, afetando a função dos miRNAs (BUCHAN e PARKER, 2007).  

Funções e Aplicações dos miRNAs

miRNA x Plantas

Recentemente, miRNAs foram relatados na regulação de uma  classe de genes ligada a resposta ao estresse em  plantas. Os autores acreditam que tais moléculas participam de mecanismo de defesa nesses vegetais. No estudo, o cultivar de tomate foi submetido ao fungo patogênico Botrytis cinérea, que causa o apodrecimento do vegetal. Como resultado, três moléculas miRNAs foram identificadas por análise em microarranjo e relacionados a resposta ao patógeno. Tais achados estendem a visão atual sobre miRNAs como reguladores onipresentes sob condições de estresse (JIN et al., 2012).

miRNA x Doenças humanas: Câncer e doenças cardiovasculares

Além de plantas, é conhecido o envolvimento de miRNAs em enfermidades  relacionadas e seres humanos, como o câncer e doenças cardiovasculares.
Sabe-se que miRNAs desempenham importantes papéis ao longo do desenvolvimento celular. Evidências têm demonstrado funções cruciais dessa moleculas na iniciação, progressão e metástase do câncer. Trabalhos na literatura têm demostrado que miRNAs secretoras são importantes como supressores de tumor na fase inicial do câncer.
Publicações recentes têm confirmado que tais moleculas podem entrar no sistema circulatório, incluindo sangue e outros fluidos corporais. Acredita-se que os miRNAs circulantes sejam provenientes de células lisadas. É sugerida a utilização desses miRNAs secretados como biomarcares de estagios do desenvolviemto câncerigeno (ZHANG et al., 2012).
miRNAs secretados em fluidos corporais podem representar as características malignas do câncer. Em muitos tipos de câncar foram identificadas miRNAs que podem fucionar como biomarcadores do desenvolvimento da doença, a saber, leucemia, câncer de pulmão, câncer colorretal e gástrico, câncer de próstata, câncer de mama, carcinoma hepatocelular, câncer de pâncreas e câncer de ovário (ZHANG et al., 2012).
Tais moluculas apresentam catacteristicas que as tornam fortes candidatos para marcação de enfermidades. Apresentam elevada estabilidade em fluidos corporais e seu potencial para o diagnóstico não invasivo. são capazes de permanecer estáveis, mesmo sob condições que podem degradar a maioria dos RNAs, tais como níveis de pH extremo, longo período de armazenamento em temperatura ambiente e repetidos ciclos de congelamento e descongelamento. A resistência a tais condições podem ser principalmente devido às suas incorporações em microvesículas, exossomos ou outros complexos para prevenir degradação. Além disso, seus padrões de expressão de podem refletir em diferentes perfis de início, invasão, metástase e resposta terapêutica ao câncer (ZHANG et al., 2012).
No entanto, estudos apoiam a ideia de que as células ativas (não cancerigenas) podem secretar miRNAs para o sistema circulatório por meio de exossomos, (ZHANG et al., 2012). Embora miRNAs secretados apresentem promissor potencial como marcadores de câncer, muitas questões não resolvidas continuam a ser investigadas, especialmente quando relacionado com os mecanismos de secreção de miRNAs, como mostrado na figura 5.

Figura 5: Mecanismo hipotético de secreção miRNAs. Com base no conceito de miRNAs como um tipo de bio-mensageiro, nós supomos que miRNAs poderiam ser secretados por meio do processo de secreção exosomal ou não-vesícula-associado. Em primeiro lugar, os miRNAs maduros se ligam a Ago-2 ou outras cargas para evitar a degradação dos miRNAs. Em seguida, esses complexos entre os exossomos ou processos não-associados da secreção das vesículas de acordo com os sistemas de rastreio diferentes. Embora a maioria dos dados acreditava que miRNAs poderia entrar diretamente na circulação, miRNAs também podem ser secretados pela via autócrina, parácrina e endócrina (ZHANG et al., 2012).
miRNAs também estão relacionados a doenças cardiovasculares. Por exemplo, o aumento da expressão de determinados miRNAs (como: miR-1, miR-133 e miR-208) no coração estão associados ao desenvolvimento da hipertrofia cardíaca. Além disso, outras estão sendo avaliados como potenciais biomarcadores no diagnóstico e prognóstico da insuficiência cardíaca, como, o miR-423-5p (CARVALHO, et al., 2012).

miRNA x Vírus

Os vírus utilizam uma série de estratégias para manipular as células de seus hospedeiros com a finalidade de assegurar o êxito na infecção. Dentre estas estratégias está o mecanismo que utiliza miRNAs para controlar a expressão dos genes virais, e também para ajudar o vírus a permanecerescondido” da resposta imune do hospedeiro (BOSS e RENNE, 2011). Estudos realizados em células transfectadas com o vírus da herpes B (BV), foi possível identificar 12 novos miRNAs codificados pelo BV expressos em células infectadas (AMEN e GRIFFITHS, 2011).
Trabalhos na literatura demonstraram que o processamento e função dos miRNAs de células eucarióticas podem ser bloqueadas devido a infecção por Adenovírus. Curiosamente, a maquinaria celular silenciada é ativada em momentos iniciais pós-infecção, e pode ser usado para controlar o ciclo celular. Isto é relevante para fins terapêuticos contra infecções por adenovírus ou quando adenovírus recombinantes são utilizados como vetores para terapia gênica (CARNEIRO; SUTHERLAND e FORTES, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente texto apresentou o conceito, as funções e possíveis aplicações dos miRNAs. O mesmo ressalta a importância dessas moléculas dentro dos sistemas biológicos. O mecanismo pelo qual são produzidas e como desempenham suas funções, além, de relações com doenças e possíveis aplicações como biomarcadores em câncer e doenças cardiovasculares. Vale salientar que esses achados quebram o dogma central da biologia molecular, onde mais uma vez é demonstrado às varias funções que os RNAs desempenham nos organismos vivos, em contraste com a função clássica vinculada a essas moléculas. 


Referências bibliográficas

AMEN, M. A. e GRIFFITHS A. Identification and Expression Analysis of Herpes B Virus-Encoded Small RNAs, Journal of virology, v. 85, n. 14, p. 7296–7311, 2011.
BARTEL, D. P. MicroRNAs: Genemics, Biogenesis, Mechanism, and Function. Cell, v. 116, p. 281-297, 2004.
BUCHAN, J. R. e PARKER, R. The two faces of miRNA. Molecular Biology Science, v. 318, p. 1877-1878, 2007.
CARNEIRO, E.; SUTHERLAND, J. D. e FORTES, P. Adenovirus and miRNAs, Biochimica et Biophysica Acta, v. 1809, p. 660–667, 2011.
CARVALHO, V. O.; et al. MicroRNAs: Um Novo Paradigma no Tratamento e Diagnóstico da Insuficiência Cardíaca? Arq Bras Cardiol, v. 98(4), p. 362-370, 2012.
JIN, W.; et al. Microarray-based Analysis of Tomato miRNA Regulated by Botrytis cinerea. J Plant Growth Regul, v. 31, p. 38–46, 2012.
MATTICK, J. S. e MAKUNIN, I. V. Non-coding. Human Molecular Genetics, v. 15, p. 17-29, 2006.
ZHANG, J.; ZHAO, H.; GAO, Y.; ZHANG, W.. Secretory miRNAs as novel cancer biomarkers. Biochimica et Biophysica Acta. 2012, p. 32-43.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Resumo Carboidratos

Química

São as biomoléculas mais abundantes. Sua oxidação é a principal fonte de energia para a maioria das células não fotossintéticas. Podem agir como elementos estruturais, lubrificantes em articulações, auxiliam o reconhecimento e a adesão intercelular, formam glicoconjugados com proteínas e lipídeos.

Definição

Carboidratos são poliidroxialdeídos ou poliidroxicetonas; ou substâncias que geram esses compostos quando hidrolisadas.

Classificação

São divididos em três classes principais: monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos.

Monossacarídeos
Os monossacarídeos são açucares simples, solúveis em água e possuem sabor adocicado. Podem ser aldoses ou cetoses, a primeira é caracterizada pela presença de um grupo carbonil em uma das extremidades, já as cetoses possuem grupo carbonil em qualquer outra posição. Podem ser divididos em: trioses, tetroses, pentoses e hexoses (Figura 1). Tetroses a hexoses diferem na configuração do carbono quiral, dando origem aos epímeros (Figura 2). 

Figura 1. Aldoses e Cetoses. (A) D-Aldoses e (B) D-Cetoses com três a seis carbonos. Os carbonos em vermelho indicam centro quiral (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).  

Figura 2. D-Glicose e dois de seus epímeros, diferindo na configuração em um centro quiral (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).


Em solução aquosa as aldotetroses e todos os monossacarídeos com cinco ou mais carbonos ocorrem em estruturas cíclicas. O grupo carbonil se liga covalentemente ao oxigênio de um grupo hidroxil dando origem aos hemiacetais e hemicetais. O carbono (do grupo carbonil) envolvido nessa ligação, agora é denominado anomérico. Podendo ocorrer nas formas α e β (Figura 3).          

Figura 3. Formação das duas formas cíclicas da D-Glicose. Reação entre o C1 (grupo aldeido) com o grupo hidroxil do C5, podendo formar dois estereoisômeros alfa e beta (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).

          Alguns monossacarídeos são capazes de reduzir certos íons, por conta dessa capacidade são denominados açucares redutores. Podem ser oxidados por alguns agentes oxidantes como o íon férrico (Fe3+) e cúprico (Cu2+). Essa característica permite estimar a concentração dos açúcares em solução (Figura 4).

Figura 4. Açucares como agentes redutores. Em estrutura cíclica a glicose não pode ser oxidada, contudo, quando em cadeia aberta (exposição do grupo carbonil) adquire sua característica redutora (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).

Dissacarídeos


Dissacarídeos consistem em dois monossacarídeos unidos covalentemente por ligação D-glicosídica (Figura 5). Alguns Dissacarídeos e polissacarídeos possuem extremidades redutoras, ou seja, extremidade com carbono anomérico livre (ex.: redutor - maltase; ex.: não redutor - sacarose e trealose). Tal fato se deve a possibilidade do retorno a forma linear. Essa característica permite que o grupo cabonil reaja com íons.
        
Figura 5. Formação da maltose. Os dissacarídeos são formados por dois monossacarídeos em ligação O-glicosídica beta ou alfa. A formação da ligação ocorre por meio da condensação do grupo hidroxil (álcool) com o grupo hemeacetal ou hemecetal (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).

Oligossacarídeos e Polissacarídeos

Oligossacarídeos são cadeias curtas formadas por monossacarídeos. Já os polissacarídeos contêm mais de 20 unidades de açúcares. A maioria dos carboidratos encontrados na natureza ocorrem como polissacarídeos. Diferem em suas unidades ao longo da cadeia, no seu comprimento, tipos de ligação que unem as unidades e grau de ramificação. Podem ser classificados como homopolissacarídeos (ex.: glicogênio e amido) e heteropolissacarídeos (peptioglicano). Servem como formas de armazenamento, elementos estruturais, suporte extracelular. Não possuem peso molecular definido.
Polissacarídeos e oligossacarídeos são importantes no transporte de informação, comunicação entre células, sinalização de proteínas de transporte e degradação. Podem realizar tais funções em conjunto com proteínas ou lipídeos, dando origem aos glicoconjugados.

Os mais importantes polissacarídeos de reserva são o amido (vegetais) e glicogênio (animais). Ambos são extremamente hidratados por possuírem muitos grupos OH expostos. O amido é formado por dois tipos de polímeros de glicose, amilose e amilopectina. O primeiro possui cadeias longas, não ramificadas com resíduos de D-glicose conectados por ligação α1  4. A amilopectina é altamente ramificada, em cadeia os resíduos estão conectados por α1   4 e α1    6 nos pontos de ramificação ( a cada 24 ou 30 resíduos).

O glicogênio é um polímero formado por subunidades de glicose ligadas por ligações α 1   4 e alfa 1   6 nas ramificações (de 8 a 12 resíduos). É mais compacto que o amido. Encontra-se em abundancia no fígado e também está presente no músculo esquelético.

A celulose é um homopolissacarídeo com funções estruturais.  É uma substância fibrosa, resistente e insolúvel em água, encontrada na parede celular de plantas. Os monômeros de glicose estão conectados por ligações β 1    4, dando propriedades estruturais e físicas diferentes da amilose.


Glicoconjugados

Os glicoconjugados podem ser divididos em proteoglicanos, glicoproteínas e glicolípideos.
Proteoglicanos: são cadeias de glicosaminoglicanos sulfatados covalentemente unidas a proteínas de membrana ou proteínas excretadas.
Glicoproteínas: são proteínas que possuem um ou alguns oligossacarídeos de complexidade variada. A porção açúcar da molécula é rica em informação e serve como local extremamente específico para a ligação a lectinas.
        Glicolipídeos: são lipídeos de membrana que possuem como grupo de cabeça um oligossacarídeo. Auxiliam formação de mielina e transdução do sinal celular.



Metabolismo

Glicólise


A glicose ocupa posição central no metabolismo de plantas, animais e muitos microrganismos. Segue quatro destinos principais em animais e vegetais: estocagem (glicogênio, amido, sacarose), pode servir para fins estruturais (fazer parte da matriz extracelular, parede celular), síntese de ácido nucleicos (via das pentoses-fosfato) e piruvato (geração de energia).
A glicólise foi a primeira via metabólica elucidada e provavelmente é a melhor entendida. Essa via ocorre no citosol e consiste em uma molécula de glicose sendo degradada em uma séria de reações catalisadas por enzimas, gerando duas moléculas de piruvato. Parte da energia é conservada em ATP e NADH. É uma via central do catabolismo da glicose. Em algumas células e tecidos, representa a única fonte de energia (ex.: eritrócitos, medula renal).
A glicólise ocorre em 10 etapas e pode ser dividida em duas fases (Figura 6). As cinco primeiras etapas constituem a fase preparatória. Nessa fase ocorre o gasto de duas moléculas de ATP. As outras cinco etapas constituem a fase de compensação ou pagamento, ocorrendo ganho energético na forma de ATP e NADH (posteriormente usado na cadeia transportadora de elétrons). Ao final da glicólise ocorre a produção de duas moléculas de piruvato. Essas moléculas podem seguir três vias catabólicas principais: transformam-se em Acetil-Coa para seguir oxidação pelo ciclo do acido cítrico, fermentação alcoólica ou fermentação láctica.


Figura 6. As duas fases da Glicólise. (a) fase de preparação e (b) fase de pagamento, ambas possuem cinco etapas (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).

Equação geral da glicólise:

Glicose + 2 NAD+ +2 ADP + 2 Pi à 2 Piruvato + 2 NADH + 2 H+ + 2 ATP + 2 H2O

Muitos carboidratos encontram seus destinos catabólicos na glicólise após transformação em intermediários glicolíticos (glicogênio, amido, maltose, lactose, trealose e sacarose, etc).
          A regulação da glicólise é feita para manter níveis de ATP praticamente constantes. Ocorre através da interação complexa entre o consumo de ATP, regeneração de NADH e regulação alostérica de algumas enzimas. Em uma escala de tempo maior é feita por alguns hormônios (glucagon, adrenalina e insulina) e variações da expressão de genes de várias enzimas glicolíticas. Regulações anormais de velocidade da glicólise são vistas no câncer, pois tumores possuem velocidades de glicólise maiores do que tecidos normais mesmo na presença de O2 (Efeito Warburg, base para vários métodos de detecção do câncer).


Gliconeogênese

          Quando a glicose ou seus precursores se esgotam, os organismos precisam sintetizar glicose a partir de precursores que não são carboidratos. A via responsável por essa conversão é conhecida como gliconeogênese. Essa via compartilha etapas com a glicólise, tais reações ocorrem em direções opostas (Figura 7). Suas reações ocorrem principalmente no citosol. A regulação separada das vias é atingida por meio de controles exercidos nas etapas enzimáticas que existem em apenas uma delas.



Figura 7. Reações opostas da Gliconeogênese (vermelho) e glicólise (azul) (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).


É um processo relativamente dispendioso. O alto custo energético é necessário para assegurar a irreversibilidade da gliconeogênese (assim com a glicólise). Possui equação geral:

2 Piruvato + 4ATP + 2NADH + 2H+ + 4H2O à Glicose + 4 ADP+ + 2GDP + 6Pi + 2NAD+

         Intermediários do ciclo do ácido cítrico e alguns aminoácidos são gliconeogênicos, ou seja, podem ser prontamente transformados em glicose. Em mamíferos não ocorre a conversão líquida de ácidos graxos em glicose, pois seu catabolismo gera Acetil-CoA, sendo usado diretamente no ciclo do acido cítrico.


Via das pentoses fosfato


Outro destino catabólico da glicose é a oxidação da glicose-6-fosfato a Ribose-5-fosfato. A via das pentoses fostato ocorre no citosol. Ela divide varias enzimas com a glicólise e gliconeogênese, ou seja, são vias conectadas. Seu produto final pode ser utilizado para a produção de RNA, DNA e Coenzimas (Figura 8). Em tecidos onde ocorre a síntese de elevadas quantidades de ácidos graxos (ex: fígado, tecido adiposo, glândulas mamárias durante a lactação) e síntese muito ativa de colesterol ou hormônios esteroides,  o produto essencial da via das pentoses-fosfato não é a pentose e sim os doadores de elétrons NADPH, necessários para as reações de redução na biossíntese dessas moléculas. 
          




Figura 8. Esquema geral da via das pentoses fosfato (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).

A entrada da glicose-6-fosfato na glicólise ou via das pentoses fosfato depende das necessidades momentâneas da célula e concentração de NADP+ no citosol. Aumentos na concentração de NADP+ estimulam alostericamente enzimas especificas, aumentando o fluxo de glicose para a via das pentoses fosfato. Em concentrações baixas de NADP+ a glicose é direcionada para alimentação da glicólise.

Ciclo do acido cítrico

           O ciclo do ácido cítrico é um pivô do metabolismo com vias catabólicas chegando e vias anabólicas partindo. Ocorre nas mitocôndrias e é constituído de oito etapas, sendo que quatro delas são oxidações (Figura 9). A energia das oxidações é conservada eficientemente na forma de coenzimas reduzidas: FADH2 e NADH. Antes de entrarem no ciclo, esqueletos carbônicos de açúcar, ácidos graxos e aminoácidos são convertidos ao grupo Acetil-CoA (alguns aminoácidos entram no ciclo na forma de algum intermediário do mesmo).




Figura 9. Reações do ciclo do acido cítrico (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).


É um ciclo fundamentalmente gerador de energia. Desde a glicólise, ciclo do ácido cítrico e cadeia transportadoras de elétrons são produzidos cerca de 30 à 32 ATPs. Contudo, intermediários do ciclo servem como precursores em diferentes vias de biossíntese. Por exemplo, α-cetoglutarato e oxaloacetato podem ser percursores de aspartato de glutamato, estes por sua vez, podem ser utilizados para a síntese de outros aminoácidos e nucleotídeos. Alguns microrganismos utilizam o ciclo em uma forma incompleta para produção de precursores para biossíntese de aminoácidos.



Figura 10. Ciclo do acido cítrico no anabolismo (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).

           Por conta de sua importância o ciclo é cuidadosamente regulado em coordenação com outras vias, garantindo a produção de intermediários nas taxas necessárias. O ciclo do ácido cítrico é regulado principalmente nas três etapas exergônicas. Três fatores controlam a velocidade de fluxo no ciclo: disponibilidade de substrato, inibição pelos produtos acumulados e inibição alostérica por retroalimentação de enzimas das etapas iniciais do ciclo (Citrato-sintase, Isocitrato-desidrogenase e α-Cetoglutarato-desidrogenase).


Ciclo do glioxilato

      Plantas e alguns microrganismos conseguem converter ácidos graxos a carboidratos. Fazem isso através do ciclo do glioxilato. Em plantas o ciclo ocorre nos glioxissomos. Nessa via o acetato pode ser tanto um combustível rico em energia, assim como fonte de fosfoenolpiruvato (entra na gliconeogênese).



Figura 11. Ciclo do acido do glioxilato (Fonte: Nelson, Cox e Lehninger 2006).

          O ciclo do glioxilato está interligado com o ciclo do acido cítrico por dividir alguns intermediários (succinato, oxoloacetato e isocitrato), ocorrendo constante intercambio de metabolitos. Por conta dessa característica devem ser regulados de forma coordenada.  Isso ocorre por meio da regulação de enzimas-chave (Isocitrato desidrogenase, Isocitrato liase), baixas concetrações de AMP e ADP, intermediários da glicólise e ciclo do ácido cítrico.


Cadeia transportadora de elétrons

        A fosforilação oxidativa é a culminação do metabolismo produtor de energia em organismos aeróbios. Esse processo ocorre nas mitocôndrias. Envolve a redução de O2 a H2O, sendo os elétrons doados por NADH e FADH2. A teoria quimiosmótica é a base para o entendimento atual sobre a síntese de ATP. No modelo quimiosmótico os elétrons passam do NADH e de outros extratos oxidáveis através de uma cadeia carreadora assimetricamente arranjada na membrana plasmática interna (ubiquinona-oxidoredutase à succinato-desidrogenase à citocromo C à citocromo oxidase). O fluxo de elétrons é acompanhado pela transferência de H+ através da membrana plasmática, tendo como produto a formação de gradiente químico e elétrico. A membrana plasmática interna é impermeável a H+, assim os íons H+ só podem retornar a matriz através de canais específicos de H+ (Fo). A força próton-motriz que direciona os H+ de volta a matriz proporciona a energia para a síntese de ATP catalisada pelo complexo F1 e associado a Fo ( F1 e Fo fazem parte da ATP sintase) (Vídeo 1).


Vídeo 1. Fosforilação oxidativa (Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=md6JdC98dTU, publicado em 23/05/08 por Biocistron).


Texto Base:

NELSON, David L.; COX, Michael M. LEHNINGER. Princípios de Bioquímica. 4. ed. São Paulo: Sarvier, 2006. 1202 p. ISBN 8573781661 (enc.)